segunda-feira, 28 de abril de 2008

Serginho, um caso a parte.


Um caso, tudo que Serginho precisava era um caso interessante para contar para seu chefe. Seus olhos demonstravam a longa noite que vivera, mas que não lembrava. Ele lembra de ter ido dormir cedo, talvez tenha sido esse o problema. Ele nunca dormia cedo. Mas de qualquer forma ele não tinha tempo pra lembrar. Se trocou como nunca, tudo estava ao seu alcance, não durou nem 10 minutos e já tinha saído, não pegou trânsito, achou vaga na frente. Ele já estava subindo o elevador e seu aspecto era deplorável, olheira e mau hálito, algo semelhante a vodka com drear, que ele sabe que não desce macio. Exalava um cheiro ruim mau disfarçado por perfume. Mas nada ligava naquele momento. O elevador chegou ao décimo andar. Ele saiu e deu de frente ao chefe. -O que é isso Serginho? -Um caso, preciso te explicar. -Está explicado, as mulheres fazem isso com a gente. Lave o rosto, estou indo para uma reunião, depois você me conta como foi.
Serginho não entendeu direito, ele nem conseguiu contar sua lorota e foi beatificado. Ele considerou como um ato de sorte. Foi assim o resto daquela manhã. Café passado na hora que ele chegou, ar condicionado concertado naquele dia, estava lindo. O que estava estranho era aquele aspecto, sem justificativa, nada vinha na sua cabeça, que por estar doendo não ajudava a sua lembrança. Serginho já estava cansado da constante queixa que sofria de seu próprio inconsciente. Resolveu ligar para seus amigos, ligou para a irmã, ligou até para uma amiga que ficou triste com a pergunta sobre o seu paradeiro da noite anterior. E nada, ninguém vira Serginho naquela segunda feira após o trabalho. Ele começou a suspeitar do que havia comido, bebido. Serginho começou até a duvidar sobre se realmente havia dormido cedo. Ele foi juntando os cacos, conferiu ligações no celular e checou seus e-mails, mas nada ajudava aquele infeliz e surpreendido rapaz que era apresentado a todo momento a novidades relacionadas a sua sorte e suas dúvidas.
Resolveu ir embora na hora do almoço, o chefe não iria reclamar, seguido pela maré de sorte que lhe foi apresentado. Sentou em uma lanchonete, fez o pedido, comeu, pagou e ficou a espera do troco, que viria a mais. Ele veio, e junto com a sorte, também veio seu lado cristão, cavalheiro e cidadão. Devolveu e ganhou um sorriso admirável da tal que lhe serviu. Resolveu ir a praia, cerveja absurdamente gelada, grupo de turistas norueguesas fazendo topless, os minutos em seu relógio passavam com lentidão, como sua lembrança, que com a mesma lentidão ia se recuperando daquela noite anterior misteriosa. Ele soube que aquele craque vinha pro seu time, seu maior desejo da televisão posaria nua, o banco ligou confirmando o empréstimo, até na raspadinha resolveu jogar, mas não jogou porque sempre achou que esse jogo era sacanagem criada por uma grande corporação vinculada à mafia e também não queria arriscar a dar uma fora. Serginho ajudou uma velhinha contra trombadinhas em mais um ato heróico daquele ser iluminado que havia se tornado. Foi à padaria, pão quentinho. Foi ao mercado, sem fila e com troco a mais denovo. Serginho anestesiou-se com tamanha sorte. Já não havia mais dores e aquele hálito ja tinha sido aparado por umas balas.
Foi para casa, deixou as coisas, tomou banho. Aí foi pra rua, cada bar, uma gata diferente. Sua conversa fluia como o canto dos pássaros. Analisava os tipos, mandava trocar a música, comentava que sua bebida estava como nunca. Luzes, fumaça e cada vez mais bebidas.
Serginho acordou, correu contra o tempo de novo e foi ao trabalho. Para o chefe diz ter como última lembrança, a hora do banho, que jura ter sido a última coisa feita antes de dormir.
-E aí, demitiram ele?
-Que nada, todos adoram esses casos que Serginho cria. Ele é um cara de talento. Eu falei que teve até umas norueguesas na praia?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sobre nomes não. Sobrenomes


Um pouco constrangido, mas ao mesmo tempo mordido pelo sarcasmo, ao longo das conversas do dia-a-dia, vejo certa graça ao ser apresentado à pessoas caracterizadas pelos seus sobrenomes. Alguns ao pronunciá-los demonstram tranquilidade para tornar-lo normal, mas há quem satirize logo de cara, como quando caímos no chão e damos risada de nós mesmos, depois olhamos para o lado à procura dos que viram o incidente. Tem também quem apenas não o pronuncie, alias, se ninguém te viu caindo, você não caíu. Essa omissão caracteriza indiretamente o desgosto crônico pela capa vitalícia que aquele nome lhe deu ao nascer.
É um problema um menino com Pinto no meio do nome. É uma tristeza mulher feia com sobrenome Graça. Como não fazer piada? Sr. Casanova vivendo de aluguel. Assassinada a tiros a Sra. Boa Morte. Como se justifica um atraso o garoto com sobrenome Pontual? Uma família possui o nome Dilema, provavelmente composta por Sr. e Sra. Dilema e seus pequenos Dilemas, que crescem a cada dia. Há os com nome que constroem frases sem graça, como Jacinto Leite Aquino Rego, há os bem estranhos, como Lindulfo Celidonio Calafange de Tefé, mas nada como nosso velho amigo presépio, que ganhou esse apelido provavelmente ao nascer, Armando Nascimento de Jesus é um cara que não teve escolha.
Não me lembro de algo tão feio quanto aqueles brasões que mais parecem carros alegóricos old school. O sobrenome é isso, uma sombra gritante, composta por tradição familiar e confirmação de estranhesa, mas ao mesmo tempo que trás mistério, também demosntra identidade histórica e curiosidades pitorescas.
Seja uma família sem fim como os Silva Santos, ou uma tradicional de canto nenhum como Eustáquio Obirapitanga, o sobrenome não deixará de provocar aquele velho surpreendimento digno do inesperado.